O QUE É SAÚDE MENTAL RELACIONADA AO TRABALHO?
- opsicologothiago
- 19 de mai. de 2022
- 4 min de leitura
Acredito que antes de responder a esta pergunta, precisamos entender a centralidade do trabalho no cotidiano do adulto, trabalhador. Vivemos em uma sociedade capitalista, que nos coloca em situação de venda da nossa força de trabalho, visando para nós, uma possibilidade de subsistência (muitas vezes) e à serviço do enriquecimento dos empresários, detentores dos meios de produção.

Podemos dizer então, que vivemos trabalho? De certa forma sim, mas em certos momentos acredito que vida e trabalho são antagônicos, levando em consideração que deixamos de fazer muitas coisas, para nos ocuparmos deste trabalho que muitas vezes está no âmbito da exploração do trabalhador. Se não trabalharmos, não pagamos nossas contas, não comemos, não nos vestimos, não nos locomovemos, não cuidamos da nossa saúde e nem dos nossos filhos e familiares, só isso já dá o tom do quanto o trabalho é importante, mas há uma instância mais subjetiva dessa compreensão.
Como adultos somos legitimados pela ação-trabalho, ou seja, se não estamos trabalhando não somos tidos como parte útil da sociedade, parte contribuinte de uma nação e etc, somos páreas e muitas vezes rechaçados, excluídos e discriminados (essa situação se vê extrapolada quando pensamos em pessoas em situação de rua, comumente vistas como vagabundas). Se não trabalhamos, não somos adultos, não temos possibilidades de construção de sentidos também, pois, o trabalho é responsável pela construção de sentido – ou futuro, se preferir – para cada indivíduo; criamos metas e criamos objetivos, planos de carreira, planos de vida, planos de estudos (que também podem entrar na categoria trabalho).
TEMPO DE VIDA E TEMPO DE TRABALHO
Com esse breve entendimento do quanto o trabalho é central para as nossas vidas adultas, também já se pode começar a esboçar o quanto dependemos dessa ação para termos um certo grau de sobrevivência (ainda não chegamos à qualidade de vida). Até aqui apenas parece que vivemos para trabalhar, não é mesmo? E sim, de certo modo, vivemos para trabalhar.
Uma das minhas bases de estudos sobre o trabalho e talvez a mais basal, a filosofa Hannah Arendt, no texto “Trabalho, Obra, Ação” (2005), nos apresenta duas formas de viver à vida, que são antagônicas e excludentes, por conta de como a sociedade se organiza a partir da necessidade de trabalhar (aqui trabalho é visto como condição humana, como forma de interação com a natureza, a fim de modifica-la, para criar ferramentas de uso humano); são elas a vida contemplativa e a vida ativa.
Não vou me estender muito no assunto, mas acredito que para o intento desse texto, os nomes são autoexplicativos. Não podemos contemplar a vida, enquanto tivermos de ser ativos, ou seja, trabalharmos, pois, se considerarmos a realidade atual, não nos sobra tempo para isso, não há lazer, não há tempo livre, não há tempo de ociosidade. Ficar parado, sem fazer nada, é perder dinheiro. Não podemos estar cansados, como Byung-Chul Han coloca em seu livro “Sociedade do Cansaço” (2010), pois, descansar é o contrário de produtividade e não ser produtivo é estar para fora do sistema em que vivemos, uma sociedade da produtividade exacerbada e de corpos exaustos.

Não há tempo para descansar, não há tempo para viver, só há o tempo de produzir, o tempo de trabalhar e de sobreviver! Não há passado e nem futuro, o que há é a perpétua necessidade de viver um dia de cada vez, sobrevivendo às formas de produção cada vez mais nocivas. Há apenas presente!
ADOECER PELO TRABALHO
Depois de todas essas considerações, finalmente chegamos no cerne da questão. Por que precisamos então eleger uma categoria específica da saúde mental para o trabalho? O que tem de tão específico assim?
Para começar, é importante lembrar que há também o ramo da medicina relacionada ao trabalho, bem como, todo um setor técnico envolvido na segurança e normas para se trabalhar. Isso porque o trabalhador passa grande parte do seu dia nesse lugar, tendo que realizar funções repetitivas, complexas, que exigem atenção sustentada por horas, que exigem força física, que exigem lidar com situações de risco ou de estresse elevado, etc. Todas essas coisas devem ser transformadas em dados e métricas, que possam gerar prevenção de acidentes, principalmente, no que diz respeito à trabalhos em situações de risco.

Se há tantas regras, tantas normas e prevenções em relação ao ato de trabalhar e às questões mais ligadas à função e ao cotidiano objetivo do trabalho, então, por que não há uma preocupação maior com saúde psíquica desse trabalhador, que, novamente, passa muitas horas de seu dia e sua vida, no trabalho?
A saúde mental, ainda hoje, é tida como algo secundário, embora hajam muitos avanços no que diz respeito à disseminação de informação a respeito de depressão, ansiedade e até mesmo a síndrome de Burnout, que já traz algo a se pensar sobre a relação com o trabalho, porém, ainda há muitos passos a serem dados em direção de uma legitimação maior da preocupação com a nossa mente e nosso emocional. Como vivemos em uma sociedade sedente por produtividade e entrega de resultados, estar em sofrimento psíquico é algo que desabona o esforço individual, em detrimento da capacidade desse indivíduo de trabalhar e produzir resultados.
Não irei me alongar nos pormenores disso, mas é importante entendermos que por conta da centralidade do trabalho, tanto como legitimador social, quanto como produtor de condições de vida, toda e qualquer situação dentre deste é um atentado ao bem estar e às possibilidades de subsistência de todos nós. Portanto, sofremos diariamente com longas jornadas de trabalho, viagens degradantes em transporte público, desrespeito de superiores, deformação cada vez mais profunda dos direitos trabalhistas, precarização do trabalho, terceirização, para sobreviver.

Todos esses fatores atentam brutalmente contra a nossa saúde mental, por serem produtores de ansiedades, depressões, baixa autoestima, estresse, síndrome de Burnout, além das doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT, onde também encontramos a LER, lesão por esforço repetitivo), acidentes de trabalho, assédio de várias formas diferentes, violências diversas e uma série de outras situações que podem nos fazer mal e consequentemente nos impedir de trabalhar.
É essa a importância de se pensar em saúde mental relacionada ao trabalho, pois, existem situações muito particulares e de dinâmicas muito únicas, acontecendo nas empresas, fábricas, agências e etc, que deterioram a saúde física e mental de nós trabalhadores. Precisamos estar atentos, tanto para nos cuidarmos, quanto para lutarmos por direitos!
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