ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TEMPO EM QUARENTENA
- opsicologothiago
- 16 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Somos tempo essencialmente. É a temporalidade que nos organiza mentalmente, que nos dá noção de existência e de relação com o mundo e o tempo é talvez a nossa construção mais importante e cara. O tempo é aquela substância que nos ancora a realidade e nos traz norte. Nascemos sob uma data, um horário, um ano e também um momento na história humana, somos parte de tudo isso, mesmo que como partículas invisíveis.

Sentimos o tempo das mais diversas formas, sentimos na nossa pele, no nosso olhar, no nosso cérebro, nas nossas relações, bem como, sentimos no cotidiano, nas atividades que organizam nosso dia-a-dia, no expediente, na grade horária da faculdade. Assim podemos sentir que o dia foi útil, produtivo e vívido também, são características de um dia onde o tempo foi bem gasto, onde atuamos como seres, como existência. Um dia cheio é um dia que faz jus ao nosso lugar no mundo, como comumente se pensa.
E na espera, sentimos o tempo?
Sentimos o tempo passar, melhor dizendo?
É muito difícil para nós esperar que algo aconteça, pois, assim como um “nada” nos sentimos em inércia, nos sentimos suspensos. A espera é um não-agir quase esmagador (para alguns é de fato dilacerante), embora seja necessária, ela não deixa de ser ansiedade, por muitas vezes. É na espera onde, “suspensos” do tempo, nos colocamos a pensar em mil e uma maneiras de ser, em mil e uma coisas além daquele momento congelado, a espera nos traz a essa zona de possibilidades infinitas em que podemos e não podemos, um lugar cheio de caminhos onde muitos deles nos torturam. Em um mundo onde tudo é muito rápido, frenético e há cobrança para todos os lados, momentos de espera são uma total falha de investimento (do tempo).
Com isto apresentado, podemos então pensar sobre o nosso momento atual, esse momento que pede isolamento social, quarentena voluntária e também um momento de medo generalizado, de terror. É como uma espera, afinal de contas, estamos todos, mundialmente, aguardando, esperando que o final disso chegue e que possamos voltar a produzir, a caminhar no tempo. Enfrentamos um momento onde o passado e o presente são nossas únicas concretudes, pois o futuro, de maneira ainda mais acentuada, é incerto e até assombroso, dadas as estatísticas e notícias veiculadas pela mídia.
Passamos cada vez mais a valorizar e lembrar de momentos do passado, pequenas liberdades que tínhamos e jamais nos demos conta, como o simples ato de andar na rua sem se preocupar com as superfícies em que tocamos, sem se preocupar com o inimigo invisível. Começamos a repensar nossas interações sociais, nossos laços de amizade, nossas relações familiares, tudo isso nos faz falta, tudo isso está em suspensão, está em espera. Em especial, então, temos o nosso cotidiano, subestimado, apercebido, silencioso, mas tão caro a nossa saúde mental, tão caro ao nosso sentir-se ser, parte essencial da nossa temporalidade.

Deixamos de acordar cedo para trabalhar, deixamos de correr com os afazeres de um dia cheio de tarefas, deixamos o horário de almoço, o final do expediente, deixamos as provas, deixamos os seminários, deixamos de correr no parque, deixamos de pegar metrô ou ônibus ou ambos, tivemos de deixar de lado a nossa percepção de tempo para esperar o mundo se curar, somos hoje, seres em suspensão, tentando a todo custo encontrar formas de sentir o tempo passar, nos mantermos ativos, nos mantermos em ação, atuantes. Mas esperar também é uma ação, hoje mais do que nunca estamos agindo em comunidade, estamos agindo em nível mundial, como humanidade, para nos salvarmos.
O tempo vai passar, ele vai passar, os dias vão passar, a manhã e a noite continuarão aparecendo, nosso corpo continuará sofrendo o tempo, nossa mente, bom, nossa mente precisa encarar novas formas de lidar com o tempo. Precisamos aprender, novamente (pois já fomos), a sermos menos frenéticos, a esperar e reconstruir o mundo, cada qual em seu próprio tempo, seu próprio casulo.
Hoje mais do que nunca, somos espera. Somos humanidade!
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